Morei
a minha vida toda em casas. Até os dezoito na casa da minha mãe em Poços de
Caldas, num bairro que sempre tive desafetos e que hoje gosto
bastante. Depois, quando fui pra faculdade, em 5 casas diferentes. Todas elas
com quintal, ainda que em formatos bem diferentes uns dos outros. O que mais
gosto é o da casa da minha mãe. Fica num terreno médio com quintal rodeando
tanto a parte da frente quanto a parte de trás da casa. Na parte da frente tem
um espaço sem cimento que minha mãe e meu irmão tem cultivado um pequeno jardim
e na parte de trás, no muro que faz divisa com a vizinha dos fundos tem uma
pintura de uma árvore grande que tapa o muro inteiro, muito bonito.
Recentemente
me mudei para Campinas e desde então estou morando provisoriamente no
apartamento de um amigo, que no sentido simbólico também é uma casa, afetuosa e
agradável. Mas fisicamente está localizada no primeiro andar de um prédio de 14
andares. Por ter crescido em uma casa e ter frequentado pouco apartamentos,
esse espaço sempre foi pra mim um lugar distante. O elevador, o porteiro, a
altura, os barulhos e a falta de quintal são todas questões novas na minha vida.
O
lugar que moro, é considerado pelos conhecedores de apartamento, um apartamento
grande. São 95m², dois quartos com armário embutido, uma sala ampla que cabe um
sofá para 5 pessoas de canto e uma mesa de 6 lugares, o banheiro é também bem
espaçoso. Já a cozinha e área de serviço são pequenos. Ele não tem vaga na
garagem, e antes das 18h, paga-se pra estacionar em frente ao prédio. O prédio
tem dois elevadores e porteiro 24h, e é um edifício já antigo, que fica nítido
por dois motivos: pela sua arquitetura,
bem diferente dos prédios mais novos, e também pelos moradores, na sua maioria,
idosos.
Ao
contrário do que se espera, ouço bem pouco os ruídos dos apartamentos vizinhos,
com exceção de uma torneira que faz parede com a sala. Sempre que ela é aberta,
o ruído adentra o apartamento. Mas nada que me incomode. Já a rua, é bem
movimentada e somos vizinhos de um restaurante que serve almoço e jantar, então
volta ou outra o barulho chama a atenção. Mas assim como o barulho da torneira,
nada que não dê pra conviver.
Nesses
primeiros meses venho tentando processar essa experiência de uma maneira um
pouco mais racional, daí que a impressão que tenho é que a grande e elementar diferença
entre uma casa e um apartamento é o quintal. Assim como na relação
bairro/centro, a diferença estaria no uso da rua. O quintal na casa, sobretudo
em casas pequenas, funciona como um ponto de refúgio. Em casa, é possível
receber alguém na areazinha dos fundos, enquanto o ambiente da sala ainda
preserva a intimidade. No apartamento não, é tudo junto. Na casa dá pra acender
um cigarro na porta da sala e continuar conectado com as pessoas que estão
sentadas no sofá, sem incomodá-los com o cheiro. Em um apartamento, parece algo
inconcebível acender qualquer coisa. Na casa, o limite com a rua é o portão. Saiu
dali, já se está em contato com a rua, com os vizinhos, com o orelhão, com o
mercadinho. O grau de exposição a vida pública é maior. Já o apartamento te
coloca uma escada, um elevador, um porteiro, outra porta, e só então se tem a
rua. Na casa, a fragilidade é maior, pulou o muro já está dentro, talvez por
isso ela tenha um aspecto mais humano. No apartamento, ainda que seja no
primeiro andar, me parece que o risco de ser invadido é quase nulo.
No
bairro que eu cresci não tinha muito essa coisa de ir na casa do outro. A casa
do outro era o limite do grito. “Ô
Alison!”, “Ô Diego”, “O Brunão”, sempre acompanhado de um “sai aí”. Não precisa
dizer pra quê, tomo mundo já sabia, o convite já era certo dependendo do dia e
do horário. Ou jogar bola, ou sentar com o violão pra fazer um som, ou dar uma
volta em alguma quebrada diferente.
Tive
a sorte de crescer numa rua muito musical. De uma ponta na outra todo mundo
toca alguma coisa, e pra isso as calçadas sempre foram essenciais. Na calçada
da minha casa duas coisas fizeram dela um ponto de encontro do pessoal em volta.
Uma arvore, que fazia um sombra providencial, e um tombo, entre uma parte e
outra que servia de banco. São incontáveis as tardes que passei sentado ali com
algum violão desafinado na mão e meia dúzia de revistinhas de cifra. Dali saíram
três bandas que fazem parte da musicografia do bairro, que merecem cada uma um
relato próprio. Nada muito importante, mas de alguma forma, profundamente
importante para os rumos que as vidas que fizeram parte desse contexto tomaram.
Diante
de um momento que tem me feito procurar um lugar pra morar, algumas dessas
memórias afetivas me vieram e senti vontade de registrá-las, pois tenho me
inclinado a pensar que o lugar e a maneira como a gente mora e se relaciona com
esse lugar, de certa forma moldam a nossa maneira de pensar e estar no mundo.
Alison Silva