quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Rua Lázaro de Lima, 145


Morei a minha vida toda em casas. Até os dezoito na casa da minha mãe em Poços de Caldas, num bairro que sempre tive desafetos e que hoje gosto bastante. Depois, quando fui pra faculdade, em 5 casas diferentes. Todas elas com quintal, ainda que em formatos bem diferentes uns dos outros. O que mais gosto é o da casa da minha mãe. Fica num terreno médio com quintal rodeando tanto a parte da frente quanto a parte de trás da casa. Na parte da frente tem um espaço sem cimento que minha mãe e meu irmão tem cultivado um pequeno jardim e na parte de trás, no muro que faz divisa com a vizinha dos fundos tem uma pintura de uma árvore grande que tapa o muro inteiro, muito bonito.

Recentemente me mudei para Campinas e desde então estou morando provisoriamente no apartamento de um amigo, que no sentido simbólico também é uma casa, afetuosa e agradável. Mas fisicamente está localizada no primeiro andar de um prédio de 14 andares. Por ter crescido em uma casa e ter frequentado pouco apartamentos, esse espaço sempre foi pra mim um lugar distante. O elevador, o porteiro, a altura, os barulhos e a falta de quintal são todas questões novas na minha vida.

O lugar que moro, é considerado pelos conhecedores de apartamento, um apartamento grande. São 95m², dois quartos com armário embutido, uma sala ampla que cabe um sofá para 5 pessoas de canto e uma mesa de 6 lugares, o banheiro é também bem espaçoso. Já a cozinha e área de serviço são pequenos. Ele não tem vaga na garagem, e antes das 18h, paga-se pra estacionar em frente ao prédio. O prédio tem dois elevadores e porteiro 24h, e é um edifício já antigo, que fica nítido por dois motivos:  pela sua arquitetura, bem diferente dos prédios mais novos, e também pelos moradores, na sua maioria, idosos.  

Ao contrário do que se espera, ouço bem pouco os ruídos dos apartamentos vizinhos, com exceção de uma torneira que faz parede com a sala. Sempre que ela é aberta, o ruído adentra o apartamento. Mas nada que me incomode. Já a rua, é bem movimentada e somos vizinhos de um restaurante que serve almoço e jantar, então volta ou outra o barulho chama a atenção. Mas assim como o barulho da torneira, nada que não dê pra conviver.

Nesses primeiros meses venho tentando processar essa experiência de uma maneira um pouco mais racional, daí que a impressão que tenho é que a grande e elementar diferença entre uma casa e um apartamento é o quintal. Assim como na relação bairro/centro, a diferença estaria no uso da rua. O quintal na casa, sobretudo em casas pequenas, funciona como um ponto de refúgio. Em casa, é possível receber alguém na areazinha dos fundos, enquanto o ambiente da sala ainda preserva a intimidade. No apartamento não, é tudo junto. Na casa dá pra acender um cigarro na porta da sala e continuar conectado com as pessoas que estão sentadas no sofá, sem incomodá-los com o cheiro. Em um apartamento, parece algo inconcebível acender qualquer coisa. Na casa, o limite com a rua é o portão. Saiu dali, já se está em contato com a rua, com os vizinhos, com o orelhão, com o mercadinho. O grau de exposição a vida pública é maior. Já o apartamento te coloca uma escada, um elevador, um porteiro, outra porta, e só então se tem a rua. Na casa, a fragilidade é maior, pulou o muro já está dentro, talvez por isso ela tenha um aspecto mais humano. No apartamento, ainda que seja no primeiro andar, me parece que o risco de ser invadido é quase nulo.

No bairro que eu cresci não tinha muito essa coisa de ir na casa do outro. A casa do outro era o limite do grito.  “Ô Alison!”, “Ô Diego”, “O Brunão”, sempre acompanhado de um “sai aí”. Não precisa dizer pra quê, tomo mundo já sabia, o convite já era certo dependendo do dia e do horário. Ou jogar bola, ou sentar com o violão pra fazer um som, ou dar uma volta em alguma quebrada diferente.

Tive a sorte de crescer numa rua muito musical. De uma ponta na outra todo mundo toca alguma coisa, e pra isso as calçadas sempre foram essenciais. Na calçada da minha casa duas coisas fizeram dela um ponto de encontro do pessoal em volta. Uma arvore, que fazia um sombra providencial, e um tombo, entre uma parte e outra que servia de banco. São incontáveis as tardes que passei sentado ali com algum violão desafinado na mão e meia dúzia de revistinhas de cifra. Dali saíram três bandas que fazem parte da musicografia do bairro, que merecem cada uma um relato próprio. Nada muito importante, mas de alguma forma, profundamente importante para os rumos que as vidas que fizeram parte desse contexto tomaram.

Diante de um momento que tem me feito procurar um lugar pra morar, algumas dessas memórias afetivas me vieram e senti vontade de registrá-las, pois tenho me inclinado a pensar que o lugar e a maneira como a gente mora e se relaciona com esse lugar, de certa forma moldam a nossa maneira de pensar e estar no mundo.


Alison Silva

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